POETA, CABEÇA DE LUA?
Dizem que os poetas vivem com a cabeça na lua e que a realidade está longe de suas preocupações. Para fins de explicações científicas, portanto, atestando sua sanidade mental - eles seriam verdadeiros cosmonautas, será?
Para melhor elucidação do fato, trago para o texto alguns conceitos sobre cosmologia: “Ramo da astronomia que estuda a estrutura e a evolução do universo em seu todo, preocupando-se tanto com a origem quanto com a evolução dele.” E ainda: “Teoria segundo a qual o universo seria resultante de explosões.”
Penso eu que a poesia se forma através do processo de fricção entre realidade e espaço cósmico - o poeta é antes de tudo um niilista no sentido de se colocar com alteridade (“concepção de que todo o ser humano social interage e é interdependente do outro”) frente aos problemas humanos no planeta, o cosmo é ele e os outros e suas existências.
Para exemplificação desta conversa trago três poemas que provam a teoria de que o poeta é um terráqueo, preso às angústias do mundo:
MINHA MEDIDA
Ferreira Gullar
Meu espaço é o dia
de braços abertos
tocando a fímbria de uma e outra noite
o dia
que gira
colado ao planeta
e que sustenta numa das mãos a aurora
e na outra
um crepúsculo de Buenos Aires
meu espaço, cara,
é o dia terrestre
quer o conduzam os pássaros do mar
ou os comboios da Estrada de Ferro Central do Brasil
o dia
medido mais pelo meu pulso
do que
pelo meu relógio de pulso
meu espaço – desmedido –
é o pessoal aí, é nossa
gente,
de braços abertos tocando a fímbria
de uma e outra fome,
o povo, cara,
que numa das mãos sustenta a festa
e na outra
uma bomba do tempo.
TRADUZIR-SE
Ferreira Gullar
Uma parte de mim
é todo mundo;
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão;
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera;
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta;
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente;
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem;
outra parte
linguagem.
Traduzir uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte –
será arte?
OUVIR ESTRELAS
Olavo Bilac
"Ora (direis) ouvir estrelas! Por certo, perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto, que, para ouvi-las, muitas vezes desperto e abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda a noite, enquanto a Via-Láctea, como um pálio aberto, cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto, inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: "Tresloucado amigo! Que conversas com elas? Que sentido tem o que dizem, quando estão contigo? "
E eu vos direi: "Amai para entendê-las! Pois só quem ama pode ter ouvido capaz de ouvir e de entender estrelas".