POESIA, ESTÉTICA E SOFRIMENTO
Para o filósofo Schopenhauer o sofrimento do homem é gerado pelas vontades que vai criando no decorrer de sua existência - a vontade do homem é o motor que o impulsiona para a vida – tornando-se as forças vitais que permeiam o universo.
Estas forças na natureza são denominadas de gravidade, magnetismo, eletricidade e estímulo - se manifestam através da vontade de viver - a capacidade de objetivação na vida é que a faz diferente entre os homens.
À medida que as necessidades da vida vão sendo satisfeitas, cresce a tendência do ser humano cair num vazio existencial refletidas na ilusão da felicidade: “A vida é uma caçada incessante onde, ora como caçadores, ora como caça, os entes disputam entre si os restos de uma horrível carnificina.” – nos lembra o filósofo.
Para ele, a sublimação do tédio, provocado pela satisfação das vontades do homem, só pode acontecer através da contemplação da arte: da busca da estética, das formas da beleza. As expressões artísticas tornam-se o meio de libertação do homem.
A arte neste sentido tem a capacidade de objetivar as vontades do homem, tornando-o livre, mesmo que temporariamente, consegue voltar o olhar para o seu interior – neste percurso, esquece suas vontades - libertando-o da escravidão que ele mesmo sonhou:
TECENDO A MANHÃ*
João Cabral de Melo Neto
Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.
*Poesias Completas (1940-1965) 2ª Edição- pág. 19
A SOLIDÃO E SEU DESGATE*
Carlos Pena Filho
Frequentador da solidão, às vezes
jogava ao ar um desespero ou outro,
mas guardava os menores objetos
onde a vida morava e o amor nascia.
Era uma carga enorme e sem sentido,
um silêncio magoado e impermeável...
A solidão povoada de instrumentos,
roubando espaço à andeja liberdade.
Mas, hoje, é outro que nem lembra aquele,
passeia pelos campos e os despreza
e porque sabe, com certeza clara,
o princípio e o fim da coisa amada,
guarda pouco da vida e o que retém
é só pelo impossível de eximir-se.
*Livro Geral, pág. 57
A SOLIDÃO E SUA PORTA*
Carlos Pena Filho
Quando mais nada resistir que valha
a pena de viver e a dor de amar
e quando nada mais interessar
(nem o torpor do sono que se espalha).
Quando pelo desuso da navalha,
a barba livremente caminhar
e até Deus em silêncio se afastar
deixando-te sozinho na batalha
a arquitetar na sombra a despedida
do mundo que te foi contraditório,
lembra-te que afinal te resta a vida
com tudo que é insolvente e provisório
e de que ainda tens uma saída:
entrar no acaso e amar o transitório.
*Livro Geral, pág. 58