ENSAIO POÉTICO DE JOSÉ LUIZ MÉLO: A MULHER, A LENTE E UM ADEUS.
Duas fotografias e um desencontro compõem este triunvirato de memórias do poeta/sonetista José Luiz de Almeida Mélo, antes de tudo uma ode ao feminino que resiste ao tempo, onde tudo é homenagem, tudo é oração:
FOTOGRAFIA
“que oculta vida em salas repartidas”
Recife, 01/03/2020, José Luiz Mélo
Sua fotografia que esquecida,
você guardava no álbum da memória,
naquele rosto vê-se à trajetória,
nos cântaros da vida transfundida.
Na fronte, a mão divina, que estendida,
num tique, num trejeito, na ilusória
mania de esconder; na divisória,
que oculta vida em salas repartidas.
Apaixonei-me na fotografia,
nos seus dezoito anos, numa esguia
nuvem que vai flutuando em uma esquina.
Enquanto a minha nuvem, obsoleta,
pedala ociosamente a bicicleta
da vida, inutilmente francisquina.
VESTIDO DE NOIVA
“que no retrato, a sépia, na verdade,”
Recife, 29/02/2020, José Luiz Mélo
O retrato em que vi você, vestida,
no vestido de noiva, e uma grinalda
de brancas nuvens, flores atrevidas,
florindo à cabeleira cacheada.
As amêndoas dos olhos; a avenida
de luz, nos supercílios, sombreada.
As ameixas dos lábios; a mordida
de sua boca, a pimenta açucarada.
Logo, porém, me vi na realidade,
que no retrato, a sépia, na verdade,
mostra que a mocidade foi fugaz.
E quem provou daquele paraíso,
dentro do seu vestido, o seu sorriso,
os seus mistérios, foi outro rapaz.
ACABADO
“o sol sem rumo, o mundo em frenesi”,
01/03/2020 José Luiz de Mélo
Você disse-me assim: tudo acabado,
então virei-lhe às costas e parti,
sem que mostrasse o olhar contrariado
nem quanto me custava prosseguir.
No entanto, enquanto ia, eu pressenti
que o horizonte na frente está nublado,
o sol sem rumo, o mundo em frenesi,
como se um vendaval tenha passado.
Mas, o orgulho leva-me na frente,
me distancio, e ando loucamente,
dando voltas e voltas, sem sentido.
E vejo que você também dá voltas,
quem sabe um vórtice, a reviravolta
das voltas nos encontre reunidos.